As origens do discurso de Putin sobre o Leste da Ucrânia

Por Hugo Albuquerque*
Sobre o discurso de Putin: a Ucrânia foi criada no pós-Revolução de Outubro, unindo várias províncias imperiais diferentes, algumas de maioria russa étnica. Vejamos a organização final do Império, ao final de 1917.
A Ucrânia, tal e qual a Rússia, só poderia ter se tornado independente no pós-URSS como uma Federação plurinacional. Ela não fez isso. Assim como minou o espaço da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que deveria ser a instância comunitária local pós-soviética.
Para além de todos esses problemas, os russos não intervieram. Mas a elite ucraniana a partir de 2004 resolver lucrar com um jogo antirrusso com o Ocidente. Que foi, em certa medida, respeitado por Putin e por Moscou.
A coisa passa do prumo a partir de 2014, quando minorias russas começam a entrar no foco, e o novo regime ucraniano entra em choque com os russos e com o comunismo, não campanha etnonacionalista, anticomunista e russofóbica.
A Crimeia, democraticamente, optou por sair da Ucrânia e integrar a Federação Russa. O estranho caso da “anexação” votada em plebiscito. Vejamos nós que o Maidan poderia ser legítimo se envolvesse retirar o presidente, mas não dar um giro bizarro à direita.
Em que pese a perseguição à esquerda, o enquadramento das minorias étnicas, Moscou nada fez com Poroshenko, o oligarca eleito na seguida do Maidan. Ele respeitou as linhas vermelhas, embora tenha governado do início ao fim contrário à Rússia.
Com a eleição de Volodmir Zelensky em 2019, a Ucrânia deu sinais que iria dar uma guinada maior ainda. E os EUA, a partir de Biden, passaram a estimular isso de modo inconsequente, para minar os negócios de hidrocarbonetos entre Alemanha e Rússia.
Nada ocorreu da parte de Moscou. Mas com a finalização do acordo do Nordestream 2, novos movimentos aconteceram. Biden reforçou o apoio a Ucrânia e esta novamente acenou com a bandeira de entrada na Otan.
Moscou protestou, ucranianos e europeus resolveram tirar o pé do acelerador, mas dessa vez Biden não aceitou nenhuma mediação ou contemporização, mesmo contra os conselhos de gente, ressalte-se, até bem conservadora e anticomunista nos EUA.
O cenário atual é que Moscou reconheceu as autodeclaradas repúblicas pró-Rússia no leste da Ucrânia. As mesmas que ficaram acossadas por Kiev e, em grande medida, abandonadas por Moscou. Um spoiller: a ideia de Federação Russa é popular lá.
Daí, você me pergunta: e Lenin nisso? Bom, os bolsheviks desenharam uma grande RSS da Ucrânia, sobretudo em razão do acordo com os nacionalistas antibrancos (o exército reacionário), o Exército Verde.
Lenin (e Trotsky!) tinham um problemão para resolver na Ucrânia, que era a disputa com o Exército Negro, anarquista, de Makhno e forjaram uma aliança com os nacionalistas anti-ocidente, lhe dando terras que deveriam ou fazer parte da Rússia ou serem outras repúblicas.
Daí a ironia de Putin hoje. Se o regime de Kiev quer mesmo desrespeitar os acordos básicos forjados em 1917, e instituir um nacionalismo étnico ucraniano, ele tem de aguentar todas as consequências, dentre elas, perder o Leste para Rússia plurinacional.
P.S.: Isso não é apenas uma fala conservadora de Putin. Rosa Luxemburgo sempre criticou os bolsheviks pela aliança com os nacionalistas ucranianos, que subsistiram “dentro e contra” a Ucrânia soviética. E isso teve um custo nos anos 1930, 1940 e, também, agora.
P.S.B.: Evidentemente, isso foi uma declaração de guerra de Moscou, agora o Ocidente tem de aceitar o quadro que Biden, o rei idoso, plantou.
P.C.: Só o socialismo na região pode consertar essas intempéries étnicas.
*Hugo Albuquerque é publisher da Jacobin Brasil, editor da Autonomia Literária, advogado e direitor do Instituto Humanidade, Direitos e Democracia — IHUDD.
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