O que é socialismo? Uma polêmica com Elias Jabbour

Por Jones Manoel*
Faço uma polêmica fraterna com meu amigo Elias Khalil Jabbour sobre o seu vídeo publicado na TV Grabois, “A China é socialista? ”. Elias, um dos maiores estudiosos da China no Brasil, apresenta dois elementos como centrais do que é socialismo e uma perspectiva teórica de fundo que cimenta esses dois “critérios” (termo meu, não de Elias). Primeiro, busca compreender a China e a questão da transição ao socialismo numa perspectiva de longo prazo, enquanto processualidade histórica; com esse plano de fundo teórico, fala do socialismo como uma sociedade de abundância material, com produção de riquezas crescente, pontuando que não existe socialismo na miséria. Como segundo ponto central, coloca que o socialismo é uma sociedade governada pela ciência, onde a razão científica assume papel central na dinâmica da vida social em todos seus aspectos.
Primeiro, a questão da razão e da ciência no socialismo, se Elias estiver falando no sentido de Friedrich Engels no Anti-Dühring, tenho acordo. Planejamento, no socialismo, não diz respeito apenas ao nível econômico, mas um processo de planificação da relação ser humano/natureza e todas as dimensões da vida social. A clássica imagem de Engels do planejamento superando a anarquia de mercado e todas as irracionalidades do capitalismo continua totalmente atual, especialmente nesse período histórico de emergência climática e avanço do desastre ambiental.
Eu também concordo, por óbvio, que o socialismo pressupõe desenvolvimento das forças produtivas, aumento da produtividade do trabalho, domínio científico-técnico, avanço da fronteira tecnológica. Na miséria, não se avança na transição socialista e na construção do novo ser humano; contudo, aqui temos uma questão. O critério central da transição socialista é o poder político. Como muitos comunistas falavam na época da Terceira Internacional, o socialismo é um poder político de novo tipo que é o planificador das transformações rumo ao socialismo. O reino da razão (planejamento), o desenvolvimento das forças produtivas, a potencialização da produção de riquezas, é um derivado da condição primeira, a conquista e manutenção do poder político. Não era outro sentido a famosa palavra de ordem de Lênin de que socialismo é “sovietes + eletrificação” (sovietes, como síntese da ditadura do proletariado, vem primeiro, e depois, eletrificação, como símbolo da industrialização e desenvolvimento das forças produtivas).
O “xis” da questão é que o poder operário, em muitos casos, pode não expressar no imediato a abundância material. A Revolução Russa de 1917-1929 não promoveu um grande desenvolvimento das forças produtivas. Ao contrário, durante os primeiros 10 anos da Revolução, travasse antes de tudo de recuperar os níveis de produtividade e atividade industrial de antes da Primeira Guerra. Nikolai Bukharin chegou a formalizar no plano teórico uma espécie de “lei” das revoluções: o processo de tomada do poder e consolidação da ditadura do proletariado causa certa regressão das forças produtivas dado a reação burguesa, ação das potências imperialistas, guerra civil etc. A regressão das condições materiais não nega a existência do poder de transição socialista, é uma condição objetiva da luta de classes – condição, evidentemente, que precisa ser superada de acordo com possibilidades e temporalidades variadas.
Não custa lembrar que Antonio Gramsci, na polêmica da NEP, interviu contra aqueles que falavam em restauração capitalista na Rússia. Os que falavam que a NEP restaurava o capitalismo davam exemplo de que as condições econômicas dos “NEPman” (comerciantes, especuladores e afins que enriqueciam com a NEP) eram superiores à dos operários e camponeses. O que, sem dúvidas, era verdade, mas Gramsci destacava a centralidade da questão do poder político e que era possível, por um certo período histórico, que a classe com poder político (classe operária e camponesa) pode não ser a classe com melhor condição econômica.
Por que esse ponto é importante? Elias no vídeo não trata da questão do poder político (eu, que conversei com ele sobre isso, sei como pensa a questão, mas focando apenas no vídeo), e ao colocar no centro do discurso a riqueza material, a superação da miséria, abre espaço para interpretações reformistas e de direita do socialismo, “achando” socialismo na social-democracia nórdica. É uma tendência, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, apontar a social-democracia como exemplo de socialismo – ou socialismo democrático. A ideia básica é o seguinte: comparar os padrões socioeconômicos dos trabalhadores/as pelo mundo, em especial na periferia do sistema, com os padrões nórdicos, mostrar a melhor qualidade de vida na socialdemocracia e dizer que isso é o verdadeiro socialismo.
Além de excluir o imperialismo e a dinâmica da economia mundial da equação, esse tipo de discurso, também em circulação no Brasil (ver, por exemplo, o livro O manifesto socialista de Bhaskar Sunkara), deixa de lado a questão do poder. E a questão central do socialismo, enquanto época de transição, é o poder político.
A questão central, na minha humilde opinião, se a China é socialista ou não, é a questão do poder político. Todo o “resto” é derivado da questão central – melhora das condições de vida dos trabalhadores/as, solidariedade social, propriedade dos meios estratégicos de produção, dinâmica de planejamento na sociedade etc.
Colocar a questão do poder como centro de análise é, me parece, não só coerente com a reflexão leninista, como ajuda a fazer as críticas de versões direitistas do socialismo que acham que Noruega – e não Cuba ou Vietnã – são exemplos de “socialismo que deu certo” e que pensam na construção do socialismo via “mudanças” graduais, sem colocar na ordem do dia a conquista do poder.
*Jones Manoel é um historiador, marxista, youtuber, professor de história, comunicador popular, escritor, e militante do Partido Comunista Brasileiro, conhecido pelo seu canal no YouTube denominado Jones Manoel. Jones tem um curso de Marxismo e Questão Racial e Colonial na Caixa de Ferramentas.
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