A Mística Revolucionaria Latino-americana

latinjo-americano

Texto de apresentação do novo curso da Caixa de Ferramentas ministrado pelo investigador e militante latino-americano João Gabriel Almeida. O curso ocorrerá de 12 a 26 de julho, às segundas-feiras à partir das 19h.

Entre no grupo para receber mais informações sobre matrículas e esclarecer suas dúvidas! Abertura de matrículas 28 de junho!

Por João Gabriel Almeida

A noção de pensamento latino-americano é uma formulação que começou a ganhar força entre os anos 50 e 60.  Naquela época, havia um processo de urbanização em massa nos países do continente, particularmente na América do Sul e no México. No âmbito de um processo acelerado de industrialização, cresce o papel das universidades e partidos políticos de esquerda na influência de uma intelligentsia emergente, que começa a não ser exclusiva das elites nacionais, mas de um setor de classe média que começa a configurar a administração de novos projetos nacionais.

Paralelamente, convergiram governos populares nacionais, como o de Perón na Argentina, Vargas no Brasil, o MNR na Bolívia e Aprismo no Peru, com uma crescente radicalização das organizações inspiradas pelos processos revolucionários caribenhos, em particular a luta sandinista e o sucesso da Revolução Cubana, somados aos governos posteriores de Velasco Alvarado, Salvador Allende e toda a formulação dos exilados das ditaduras latino-americanas que foram acolhidos pela Universidade Nacional do México.

Os setores da intelligentsia acima mencionados começaram a se assumir como parte integrante desses movimentos.  Com base nisso, eles vão assumir dois máximas, resgatando dois pensadores de processos políticos anteriores. A primeira é a frase “Ou inventamos ou erramos” do educador venezuelano Simón Rodríguez, historicamente conhecido por sua influência nas ações de Simón Bolívar, um dos mais relevantes libertadores da luta pela independência no continente. A segunda é a frase do pensador peruano Mariátegui:

“Nós certamente não queremos que o socialismo na América seja um calque ou uma cópia. Deve ser uma criação heróica. Temos que dar vida, com nossa própria realidade, em nossa própria língua, ao socialismo indo-americano. Essa é uma missão digna de uma nova geração” (pp. LIV, Mariátegui, 2007).

José Carlos Mariátegui

Esta idéia de criação original se manifesta em diálogo com o contexto histórico da Guerra Fria, no qual estes processos político-intelectuais tentarão se diferenciar tanto das imposições americanas, manifestadas na época pelos discursos baseados na noção de “desenvolvimento”, quanto da influência da União Soviética através dos partidos comunistas. A crítica a este último pode ser sintetizada neste conto por Eduardo Galeano, um dos maiores expoentes literários daquela geração:

PORTINARI não está lá, disse PORTINARI. Por um momento, ele arrancaria o nariz, bateria a porta e desapareceria. Eram os anos 30, os anos da caça aos vermelhos no Brasil, e Portinari tinha se exilado em Montevidéu.

Iván Krnald não era daqueles anos, nem daquele lugar; mas muito mais tarde, ele espreitou os buracos na cortina do tempo e me contou o que viu: Cándido Portinari pintado de manhã à noite, e à noite também. Portinari não está aqui – disse ele. Naquela época, os intelectuais comunistas do Uruguai iriam tomar uma posição sobre o realismo socialista e pedir a opinião do prestigioso camarada.

– Sabemos que você não está aqui, mestre – eles lhe disseram, e lhe imploraram:

– Mas, você não nos dará um momento? Só um momento.

E eles colocaram o assunto para ele.

-Não sei”, disse Portinari.

E ele disse:

– A única coisa que sei é o seguinte: arte é arte, ou é merda. (Galeano, pp. 16, 1989)

            A provocação que evoca o famoso pintor brasileiro Portinari expressa a tensão com a idéia de fórmulas predefinidas importadas e impostas sem nenhum diálogo com as realidades locais. É necessário dizer, entretanto, que estas matrizes de pensamento foram altamente influenciadas pelo marxismo, em particular pelo texto A Formação de Intelectuais de Antonio Gramsci, traduzido para o espanhol em 1967. Basicamente, o grande problema que se estabelece quando se fala do pensamento latino-americano é como ser um intelectual orgânico diante dos desafios da América Latina em encontrar seu próprio caminho para que as grandes maiorias possam ter melhores condições de vida.

            Em princípio, estas formulações foram geradas por homens brancos de classe média que se formaram em universidades em conflito com as suposições européias. Será através do movimento Katarista na Bolívia nos anos 70 e mais tarde no movimento Zapatista e em todos os processos estimulados por diferentes movimentos nos anos 80 e 90 que outras vozes indígenas, negras e femininas tensarão limites destes planteamentos e ressignificarão esta construção a partir de uma perspectiva mais ampla.

            Assim, podemos definir o que chamamos de pensamento latino-americano como um esforço para localizar nos sujeitos presentes no território latino-americano um campo problemático para fortalecer seu próprio caminho e uma definição de práxis (a conjunção entre o pensamento e a ação) projetada para a mudança social.

            Dentro desta aposta, queremos resgatar um componente muitas vezes esquecido desta tradição: a mística. Infelizmente, no Brasil essa palavra se converteu em pensar atividades lúdicas desconectadas da própria ação. Mas, principalmente desde a herança do pensamento de Mariátegui, José Martí  e Glauber Rocha,  a mística se vai associar com o conceito de utopia naquele elemento da luta política que faz o sujeito romper com a racionalidade colonizadora e se lançar a um projeto de soborania e emancipação.

            A intenção deste curso curto é, através de alguns textos e alguns exercicios propostos por Augusto Boal e Estela Quintar, transitar a questão da mística desde a historicidade de seus participantes como brasileiros latino-americanos, para tentar pensar a validez deste conceito no maior país da América Latina e ao mesmo tempo o mais isolado. Todos os textos estarão traduzidos, alguns de maneira inédita.

Calendário de encontros do curso (VIA ZOOM)

12 a 26 de julho, segundas-feiras, às 19h

12.07 – Primeiro encontro (Raíz e Pensamento)

Intenção do encontro:

Reflexionar nosso lugar como latino-americanos e o que significa a historicidade desde esse entendimento.

Textos de orientação:

  1. Pensar teórico e Pensar Epistêmico – Hugo Zemelman.
  2. Crítica Histórica e Crítica Teórica, Paradoxos entre o sentir e pensar – Estela Quintar
  3. As matrizes do pensamento teórico-político – Alcira Argumedo

19.07 – Segundo Encontro (Sentir – Florecer)

Intenção do encontro:

Pensar o lugar da sensoralidade e a construção comunitaria como eixos de articulação do pensamento para a construção da mística.

Textos de orientação:

  1. Fenomenologia da Vida – Francisco Varela
  2. Comunidade o Comunalidade – Floriberto Díaz Gómez
  3. Estétika do Sonho – Glauber Rocha.

26.07 – Terceiro Encontro (Sonhar – Atuar – Frutificar):

Intenção do encontro:

Ativar a capacidade creativa proposta desde a mística/utopia e propostas de ação.

Textos de orientação:

  1. Marxismo e Bolivarianismo, um encontro com o impossível – Jesús Santrich.
  2. A emoção do nosso tempo – Mariátegui.

Entre no grupo para receber mais informações sobre matrículas e esclarecer suas dúvidas! Abertura de matrículas 28 de junho!

No vídeo abaixo o investigador e militante João Gabriel Almeida fala sobre o conceito de mística revolucionária e sua relação com as histórias de Che e Mariátegui .

*João Gabriel Almeida é licenciado em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestrado em Humanidades Digitais pela Universidade dos Andes. Doutorando em Comunicação na Universidade Pompeu Fabra. Formado em psicanálise lacaniana pela Escola Brasileira de Psicanálise. Fez parte de expedições de pesquisa à Bolívia, Peru, Equador e Colômbia. Foi coordenador de comunicação da campanha da Benkos Biohó (Colômbia) para o Senado em 2018 e consultor de comunicação da We Effect Colombia. Investigador do Instituto de Pensamento e Cultura na América Latina e membro do Grupo de Trabalho de Educação Popular e Pedagogias Críticas de CLACSO (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais)

Não Matriculado
6 Aulas

A Estrela Vermelha Brilha sobre a China

Este mini-curso de Hugo Albuquerque será transmitido via plataforma Zoom nos dias 6, 13, 20 e 27 de junho e…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
4 Aulas

REVOLUÇÕES: OUTRO MUNDO É POSSÍVEL

Curso gravado sobre o contexto histórico e as teorias das principais experiências revolucionárias na América Latina, Rússia, África e Ásia.…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Gratuito
3 Aulas

O sindicato tem futuro?

Neste curso Marcio Pochmann e convidados debatem temas como a formatação do modelo de organização e representação dos interesses da…

0% Completo
0/0 Steps

Matrículas encerradas

Não Matriculado
6 Aulas

O Pensamento Mao Tsé-Tung

A ideia do curso consiste em localizar a singularidade do pensamento Mao Tsé-Tung na tradição marxista através de seus principais…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
1, Aula

A guerra econômica no conflito ucraniano

Aula híbrida (presencial e online) A Operação Z, que marca a maior escalada do conflito russo-ucraniano nestes oito anos, já…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Gratuito
3 Aulas

República de Segurança Nacional: Militares e política no Brasil

Curso debate o projeto de poder dos militares no Brasil  Iniciativa faz parte da Coleção Emergências, parceria da Fundação Rosa…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
12 Aulas

O Partido Fardado e a Política no Brasil

Fundamentos teóricos, história e propostas para um combate 10 horas de curso gravado! Assista a hora que for mais conveniente!

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
7 Aulas

A Era Putin na Rússia

Este curso foi gravado em abril de 2022 com aplicativo Zoom. Conteúdo gravado e material didático. 12h de aula online…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
8 Aulas

Como estudar textos revolucionários? Ferramentas intelectuais e digitais

O curso foi gravado em fevereiro de 2022 via aplicativo Zoom.  8h de aula online

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
4 Aulas

Método dialético

Curso online Gravado entre novembro e dezembro de 2021 através de aula ao vivo via Zoom Emissão de certificado de…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
6 Aulas

História da China

O objetivo do curso é capacitar os estudantes a procurar e selecionar materiais adequados para o estudo da História da…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
10 Aulas

Retornando a Maquiavel

Tomando como lição o que o próprio florentino aconselhou, “Retornando a Maquiavel” tem a proposta de readmitir o pensamento estratégico…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
6 Aulas

Novas Teorias Populistas

O objetivo do curso é apresentar as abordagens teóricas contemporâneas do fenômeno populista e a sua relação com as democracias…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
4 Aulas

Fanon e a Revolução Argelina

+ Bônus: cupom de 10% de desconto na compra do livro “Fanon e a Revolução Argelina” de Walter Lippold editado…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
3 Aulas

A Mística Revolucionária Latino-americana

Utilizando o método de círculos de reflexão o investigador e militante João Gabriel Almeida nos conduzirá pelos fundamentos da mística…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
4 Aulas

Guerra, a política por outros meios

Nesse curso, apresentamos os fundamentos teóricos necessários para aqueles que desejam iniciar seus estudos sobre a guerra e a história…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Não Matriculado
3 Aulas

A Guerra Contra o Paraguai

As causas do conflito e a invasão paraguaia do Brasil (1864-65)Coordenação científica: dra. Ana Setti Reckziegel — PPGH UPFProfessores: Mário…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Gratuito
4 Aulas

Economia Pós pandemia

Curso Gratuito das Jornadas Freireanas – Flipei 2021 Este curso foi gravado via live nos dias 5/04, 12/04, 19/04 e…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Gratuito
4 Aulas

Feminismo negro e culinária

Curso Gratuito das Jornadas Freireanas – Flipei 2021 Este curso foi gravado via live nos dias 7/04, 14/04, 22/04 e…

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Gratuito
4 Aulas

O pensamento transfeminista

Curso Gratuito das Jornadas Freireanas – Flipei 2021 Este curso foi gravado via live nos dias 8/04, 15/04, 22/04, 29/04 …

0% Completo
0/0 Steps

Veja mais…

Artigos Relacionados

O mito da unidade da resistência ucraniana

Durante a cobertura do conflito que ocorre no presente momento no leste europeu, somos levados a acreditar que existe apenas um pensamento na Ucrânia: a defesa de seu governo. Contudo, quando observada de forma crítica, tal narrativa não parece se sustentar. Exatamente nesse sentido, A coisa pública brasileira, no intuito de esclarecer sobre o que ocorre na Ucrânia neste presente momento, publica o presente artigo, do referido autor para que brasileiros possam ter informações relevantes que nos vem sendo negadas, devido ao intenso bloqueio midiático.

A História do EZLN através de suas declarações (Parte I)

“As seis declarações serão objeto de uma análise comparativa e abrangente. Os seis fazem parte de um todo que não pode ser segmentado, exceto para facilitar a organização de seu estudo, não como objetos de estudo em si e separadamente. Esses documentos contam a história de um movimento político caracterizado por uma plasticidade ideológica e factual altamente sincrética.

A nova política externa da Rússia, a Doutrina Putin

Parece que a Rússia entrou em uma nova era de sua política externa – uma ‘destruição construtiva’, digamos, do modelo anterior de relações com o Ocidente. Partes dessa nova maneira de pensar foram vistas nos últimos 15 anos – começando com o famoso discurso de Vladimir Putin em Munique em 2007 – mas muito está se tornando claro apenas agora. Ao mesmo tempo, os esforços medíocres de integração ao sistema ocidental, mantendo uma atitude obstinadamente defensiva, continuam sendo a tendência geral na política e na retórica da Rússia.