A China e o Socialismo de Mercado: A questão do Estado e da Revolução

Depois da queda da União Soviética, a maioria dos países socialistas caíram tragicamente na investida do imperialismo ocidental. Entre os terríveis golpes desferidos no movimento comunista internacional, cinco estados socialistas resistiram à maré da contrarrevolução e, contra todos os prognósticos, mantiveram o socialismo realmente existente no século XXI.

Embora cada um encare obstáculos muito específicos na construção do socialismo, esses cinco países – a República de Cuba, a República Socialista do Vietnã, a República Popular Democrática dos Laos, a República Popular Democrática da Coreia e a República Popular da China – representam um desafio ao golias da hegemonia imperialista ocidental. Entre eles, entretanto, a China aparece sozinha como um país socialista cujo crescimento econômico continua a ultrapassar até os mais poderosos países imperialistas.
Embora um número constrangedor de grupos da “esquerda” ocidental contestem a designação de qualquer um desses cinco países de socialistas, a nenhum deles se levanta uma oposição tão grande quanto à China. Muitos grupos da “esquerda” ocidental alegam que a China moderna é um país plenamente capitalista. Herdando o legado ideológico de falsos teóricos como Leon Trotski, Tony Cliffe e Hal Draper, alguns grupos argumentam que a China nunca foi um país socialista, alegando, em vez disso, que o estado chinês foi e é um estado capitalista.
Eu contraponho suas afirmações reacionárias ultrajantes com seis teses:
Primeira: o socialismo de mercado chinês é um método para resolver a contradição primária que se apresenta para a construção socialista na China: o atraso das forças produtivas.
Segunda: o socialismo de mercado na China é uma ferramenta marxista-leninista que é importante para a construção socialista.
Terceira: a contínua liderança e o controle da economia de mercado da China pelo Partido Comunista Chinês é central para o socialismo chinês.
Quarta: o socialismo chinês catapultou um estado operário a um apogeu econômico antes desconhecido.
Quinta: a bem-sucedida elevação da China a uma economia industrial moderna assentou as bases para formas “superiores” de organização econômica socialista.
E sexta: a China aplica o socialismo de mercado às suas relações com o Terceiro Mundo e exerce um papel central na luta contra o imperialismo.
Dessas seis teses, concluo que os marxistas-leninistas no século XXI devem estudar rigorosamente o sucesso do socialismo chinês. Afinal, se a China é um país socialista, sua ascensão a principal potência econômica mundial demanda atenção de todos os revolucionários sérios, especialmente no que concerne à tarefa intimidadora da construção socialista no Terceiro Mundo.
O socialismo de mercado é um método para resolver a contradição primária que se apresenta para a construção socialista na China: o atraso das forças produtivas.
A revolução chinesa em 1949 foi uma tremenda conquista para o movimento comunista internacional. Liderado por Mao Tse Tung, o Partido Comunista Chinês (PCCh) imediatamente mapeou um caminho de construção socialista numa economia devastada por séculos de feudalismo dinástico e subjugação imperial tanto da Europa quanto do Japão. O PCCh lançou impressionantes campanhas com o objetivo de engajar as massas na construção de socialismo e na edificação de uma economia que poderia atender às necessidades da gigante população da China. Jamais se pode subestimar as incríveis conquistas das massas chinesas durante esse período, quando a expectativa de vida média na China aumentou de 35 anos em 1949 para 63 anos com a morte de Mao em 1976. [1]
Apesar dos vastos benefícios sociais trazidos pela revolução, as forças produtivas na China permaneceram fortemente subdesenvolvidas e deixaram o país vulnerável à fome e outros desastres naturais. O desenvolvimento desigual entre o campo e a cidade persistiu, e a cisão sino-soviética separou a China do restante do bloco socialista. Esses graves obstáculos levaram o PCCh, com Deng Xiaoping no comando, a identificar o subdesenvolvimento das forças produtivas da China como a principal contradição enfrentada pela construção socialista. Num discurso de março de 1979 num fórum do PCCh chamado “Apoiar os Quatro Princípios Cardeais”, Deng destaca os dois elementos dessa contradição:
Primeiro, estamos começando a partir de uma base fraca. O dano causado durante um longo período pelas forças do imperialismo, feudalismo e capitalismo burocrático reduziram a China a um estado de pobreza e atraso. [2]
Embora garanta que “desde a fundação da República Popular tenhamos alcançado um sucesso notável na construção econômica, estabelecido um sistema industrial abrangente o bastante,” Deng reitera que a China é todavia “um dos países pobres do mundo”. [2]
O segundo elemento dessa contradição é que a China tem “uma população enorme mas terras aráveis insuficientes”. Deng explica a seriedade dessa contradição:
Quando a produção é insuficientemente desenvolvida, ela põe sérios problemas em termos de alimentação, educação e emprego. Devemos aumentar enormemente nossos esforços no planejamento familiar; mas mesmo se a população não aumentar por alguns anos, ainda teremos um problema populacional por um certo período. Nosso vasto território e ricos recursos naturais são grandes ativos. Mas muitos desses recursos ainda não foram levantados e explorados, então eles não constituem meios de produção efetivos. Apesar do vasto território da China, o montante de terra arável é limitado, e nem esse fato nem o fato de que temos uma enorme população majoritariamente camponesa podem ser mudados facilmente. [2]
Diferente de países ocidentais industrializados, a principal contradição posta à China não era entre o proletariado e a burguesia – o proletariado e seu partido já haviam derrubado a burguesia na revolução de 1949 – mas entre a enorme população da China e suas forças produtivas subdesenvolvidas. Embora bem intencionadas e ambiciosas, campanhas como O Grande Salto Adiante continuariam falhando em tirar as massas chinesas da pobreza sem revolucionar as forças produtivas do campo.
A partir dessa contradição, Deng propôs uma política de “socialismo com características chinesas”, ou socialismo de mercado.
Depois da morte de Mao em 1976 e o fim da Revolução Cultural um ano depois, o PCCh, sob a liderança do Presidente Deng Xiaoping, lançou uma agressiva campanha para modernizar as forças produtivas subdesenvolvidas na China. Conhecidas como as quatro modernizações – econômica, agrícola, científica e tecnológica e defensiva – o PCCh começou a experimentar com modelos para atingir essas mudanças revolucionárias.
Modernização não era algo estranho à construção socialista na China. No bojo do Grande Salto Adiante e no levante turbulento da Revolução Cultural, o PCCh entendeu que construir um socialismo duradouro exigia uma indústria de base modernizada. Sem essa base, as massas chinesas continuariam vivendo à mercê de desastres naturais e da manipulação imperialista. Deng destacou esse objetivo num discurso de outubro de 1978 antes do Nono Congresso Nacional de Sindicatos da China:
O Comitê Central assinala que essa é uma grande revolução na qual o atraso econômico e tecnológico da China será superado e a ditadura do proletariado ainda mais consolidada.
Deng segue descrevendo a necessidade de reexaminar o método de organização econômica da China:
Como seu objetivo é transformar o atual estado atrasado das nossas forças produtivas, ele acarreta inevitavelmente muitas mudanças nas relações de produção, na superestrutura e nas formas de gestão em empreendimentos industriais e agrícolas, bem como mudanças na administração estatal sobre esses empreendimentos, de modo a atender as necessidades da produção de larga-escala moderna. Para acelerar o crescimento econômico é essencial aumentar o grau de especialização de empreendimentos, aumentar significativamente o nível técnico de todo o pessoal e treiná-los e avaliá-los cuidadosamente, melhorar enormemente a contabilidade econômica nos empreendimentos, e elevar a produtividade do trabalho e taxas de lucro a níveis muito maiores.
Dessa forma, é essencial executar grandes reformas nos vários ramos da economia, tanto no que diz respeito à sua estrutura e organização, quanto à sua tecnologia. Os interesses de longo-prazo de toda a nação dependem dessas reformas, sem as quais não podemos superar o atraso atual da nossa tecnologia de produção e gestão. [3]
Essas reformas propostas lançaram o socialismo de mercado na China. Começando com a divisão das Comunas Populares da época do Grande Salto Adiante em menores lotes privados de terra, o socialismo de mercado foi aplicado primeiramente no setor agrícola da China para impulsionar a produção de alimentos. Dos anos 1980 até por volta de 1992, o estado Chinês delegou maior autoridade a governos locais e converteu algumas indústrias pequenas e médias em negócios, que eram submetidos a regulações e direção do PCCh.
Desde a implementação do socialismo de mercado, a China experimentou uma expansão econômica sem precedentes, crescendo mais rapidamente do que qualquer outra economia no mundo. O socialismo de mercado de Deng tirou definitivamente as massas chinesas da pobreza sistêmica e estabeleceu o país como um gigante econômico cujo poder provavelmente excede as maiores economias imperialistas do ocidente.
O socialismo de mercado na China é uma ferramenta marxista-leninista que é importante para a construção socialista.

Embora a concepção e implementação do socialismo de mercado de Deng seja uma contribuição significante ao marxismo-leninismo, ela tem precedentes. A revolução proletária tem irrompido historicamente nos países onde as correntes do imperialismo eram as mais fracas. Uma das características em comum desses países são as forças produtivas atrasadas; subdesenvolvidas por causa de décadas de subjugação colonial e imperial. Longe de ser a primeira instância de comunistas a usar os mercados para assentar uma base industrial para o socialismo, o socialismo de mercado chinês tem suas raízes na Nova Economia Política (NEP, na sigla em inglês) dos bolcheviques.
Ao encarar níveis semelhantes de subdesenvolvimento e convulsão social, os bolcheviques implementaram a NEP, que permitiu que donos de pequenos negócios e camponeses vendessem commodities num mercado limitado. Planejado e implementado por Lenin em 1921, a NEP foi a sucessora da política de Trotski de comunismo de guerra, que priorizou militarizar a produção agrícola e industrial para combater as forças Brancas reacionárias. Por causa das suas condições materiais economicamente atrasadas, camponeses resistiram fortemente ao comunismo de guerra, o que resultou em escassez de alimentos para o Exército Vermelho. Percebendo corretamente a importância de forjar uma forte aliança entre o campesinato e a classe trabalhadora urbana, Lenin criou a NEP como um meio de modernizar o campo rural da Rússia através de mecanismos de mercado.
Numa peça explicando o papel dos sindicatos na NEP, Lenin descreve sucintamente a essência do conceito que Deng depois chamaria de “socialismo de mercado”:
A Nova Política Econômica introduz várias mudanças importantes na posição do proletariado e, consequentemente, na dos sindicatos. Os grandes meios de produção fundamentais na indústria e no sistema de transporte permanecem nas mãos do estado proletário. Isso, somado à nacionalização da terra, mostra que a Nova Política Econômica não muda a natureza do estado operário, embora altere substancialmente os métodos e as formas de desenvolvimento socialista, pois permite a rivalidade econômica entre o socialismo, que está sendo edificado agora, e o capitalismo, que está tentando reviver ao suprir as necessidades das vastas massas do campesinato por meio do mercado. [4]
Não devemos negligenciar a seriedade das palavras de Lenin nessa passagem. Ele reconhece que a introdução do mercado na economia soviética nada faz para alterar fundamentalmente o caráter proletário do estado. Mais provocativamente, todavia, é a sua caracterização da economia soviética como uma “rivalidade econômica entre o socialismo, que está sendo edificado agora, e o capitalismo”. [4] Segundo Lenin, relações capitalistas de produção podem coexistir e competir com o socialismo sem mudar a orientação de classe de um estado proletário.
Lembremos que Deng argumentou que o socialismo de mercado era essencial para modernizar as forças produtivas da China e consolidar a ditadura do proletariado. Lenin teria concordado de todo o coração com a avaliação de Deng, como articulado num artigo de abril de 1921 intitulado “O imposto em espécie”. Lenin escreve:
O socialismo é inconcebível sem uma engenharia capitalista de larga-escala baseada nas últimas descobertas da ciência moderna. É inconcebível sem a organização estatal planejada que mantém dezenas de milhões de pessoas na mais estrita observância de um padrão unificado de produção e distribuição. Nós marxistas sempre falamos disso, e não vale a pena gastarmos mesmo dois segundos falando com pessoas que não entendem isso (anarquistas e uma boa parte dos Socialistas Revolucionários de Esquerda). [5]
As raízes ideológicas do socialismo de mercado de Deng remontam mesmo a antes de Lenin, todavia. Numa entrevista de agosto de 1980 com a jornalista italiano Oriana Fallaci, ela pergunta a Deng se as reformas de mercado nas áreas rurais “põe em dúvida o próprio comunismo?”. Deng responde:
De acordo com Marx, o socialismo é o primeiro estágio do comunismo e cobre um período histórico muito longo no qual precisamos praticar o princípio “a cada um segundo seu trabalho” e combinar os interesses do estado, os coletivos e os individuais, pois somente dessa forma podemos elevar o entusiasmo para o trabalho e desenvolver a produção socialista. No estágio máximo do comunismo, quando as forças produtivas forem altamente desenvolvidas e o princípio “de cada um segundo sua habilidade, a cada um segundo suas necessidades” for praticado, os interesses pessoais serão ainda mais reconhecidos e mais necessidades pessoais serão satisfeitas. [6]
A resposta de Deng é uma referência à Crítica do Programa de Gotha de Marx de 1875. Marx descreve o processo de construção socialista em termos de estágios “altos” e “baixos”:
O que temos com que lidar aqui é uma sociedade comunista, não como ela se desenvolveu sobre suas próprias bases, mas, ao contrário, exatamente como ela emerge a partir da sociedade capitalista; que é o caso em todos os aspectos, econômica, moral e intelectualmente, ainda marcada com as marcas de nascença da antiga sociedade de cujo ventre ela emerge. Com efeito, o produtor individual recebe de volta da sociedade – depois de feitas as deduções – exatamente o que ele dá a ela.
[…]
Mas esses defeitos são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, enquanto ela acaba de emergir após prolongadas dores de parto da sociedade capitalista. O direito nunca pode ser superior à estrutura econômica da sociedade e seu desenvolvimento cultural condicionado por ela. [7]
Concorde-se ou não com o socialismo de mercado, mas os fatos são:
FATO: O socialismo de mercado está de acordo com o marxismo-leninismo.
FATO: A perspectiva de Lenin é de que o mercado e algumas relações capitalistas de produção não alteram fundamentalmente o caráter de classe proletário de um estado socialista.
FATO: Lenin acreditava que países poderiam construir o socialismo através do uso do mercado.
FATO: O princípio que informa o socialismo de mercado de Deng – “a cada um de acordo com seu trabalho” – vem diretamente de Marx.
A contínua liderança e o controle da economia de mercado da China pelo Partido Comunista Chinês são centrais para o socialismo chinês.

Comentadores ocidentais previram que as reformas de mercado da China levariam à queda do PCCh desde que Deng anunciou o socialismo de mercado no final dos anos 1970. Esses mesmos comentadores repetiram essa alegação pelos últimos 30 anos e são constantemente provados errados enquanto a China se ergue da pobreza com o PCCh no comando. As reformas de mercado não alteraram as bases socialistas fundamentais da sociedade chinesa porque as massas e o seu partido continua a governar a China.
A chamada “privatização” de pequenas e médias indústrias estatais em meados dos anos 1990 e início dos 2000 provocaram uma gritaria em “esquerdistas” ocidentais, alegando que isso representava a vitória final do capitalismo na China. Mas uma vez que grupos “de esquerda” estão frequentemente sujeitos a brigar por definições obscuras e debates irrelevantes (mas não menos prolixos!) sobre questões históricas distantes, vamos ver o que os próprios capitalistas têm a dizer sobre as “privatizações” na China. Em maio de 2009, Derrick Scissors do Heritage Foundation esclarece a questão num artigo chamado “Liberalismo às avessas” [“Liberalism in Reverse”]. Ele escreve:
Examinar quais companhias são verdadeiramente privadas é importante porque privatização é constantemente confundida com a difusão de participação acionária e da venda de participação minoritária. Na China, propriedades 100% estatais são frequentemente diluídas pela divisão da propriedade em ações, algumas das quais são disponibilizadas para atores não-estatais, como empresas estrangeiras ou outros investidores privados. Cerca de dois terços dos empreendimentos e subsidiárias estatais na China aplicaram essas mudanças, levando alguns observadores estrangeiros a reclassificar essas firmas como “não estatais” ou mesmo “privadas”. Mas essa reclassificação é incorreta. A venda de ações por si só não altera em nada o controle do estado: dezenas de empreendimentos não são menos controladas pelo estado simplesmente por estarem listadas em bolsas de valores estrangeiras. Na prática, três quartos das quase 1.500 companhias listadas como ações domésticas ainda são de propriedade estatal. [8]
Embora o chamado processo de “privatização” permita alguma propriedade privada, seja doméstica ou estrangeira, Scissors deixa claro que isso está bem longe de ser uma privatização real, como ocorre nos Estados Unidos e em outros países capitalistas. O estado, encabeçado pelo PCCh, retém participação majoritária na companhia e guia o seu caminho.
Mais notáveis são as indústrias que permanecem firmemente sob o controle do estado, que são aquelas indústrias mais essenciais ao bem estar das massas chinesas. Scissors continua:
Não importa a sua estrutura acionária, todas as corporações nacionais nos setores que formam a espinha dorsal da economia chinesa são obrigadas por lei a serem propriedade estatal ou controladas pelo estado. Esses setores incluem produção e distribuição de energia; petróleo, carvão, petroquímica e gás natural; telecomunicações; armamentos; aviação e indústria naval; maquinaria e produção de automóveis; tecnologia da informação; construção; produção de ferro, aço e metais não ferrosos. As ferrovias, a distribuição de grãos e a seguridade também são dominados pelo estado, ainda que nenhum decreto oficial o obrigue. [8]
Nenhum país capitalista na história do mundo jamais teve controle estatal sobre todas essas indústrias. Em países como os Estados Unidos ou França, certas indústrias como as ferrovias e seguros de saúde podem ter propriedade estatal, mas fica drasticamente aquém de dominar a indústria. A importância da propriedade estatal generalizada é que os aspectos essenciais da economia chinesa são geridas pelo estado encabeçado por um partido cuja orientação é para a classe operária e o campesinato.
Particularmente devastador para o argumento da “China como um capitalismo de estado” é o status dos bancos e do sistema financeiro chinês. Scissors elabora:
[…] o estado exerce controle sobre a maior parte do restante da economia através do sistema financeiro, especialmente os bancos. Ao final de 2008, os empréstimos pendentes chegavam a quase US$ 5 trilhões e o crescimento anual foi de quase 19% e ainda acelerando; em outras palavras, o crédito é provavelmente a principal força econômica da China. O estado chinês detém todas as grandes instituições financeiras, o Banco Popular da China estabelece metas de crédito todos os anos, e o crédito é dirigido de acordo com as prioridades do estado. [8]
O Banco Popular da China (PBOC) salienta uma das formas mais importantes pela qual o PCCh usa o sistema de mercado para controlar o capital privado e subordiná-lo ao socialismo. Longe de funcionar como um banco nacional capitalista, que prioriza facilitar a acumulação de capital pela burguesia, “esse sistema frustra tomadores de empréstimos privados”. [8] O PCCh inunda o mercado com títulos públicos, que têm um efeito crowding-out sobre títulos corporativos privados que empresas usam para aumentar o capital independente. Ao controlar a oferta e a demanda no mercado de títulos, o PBOC impede as empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, de acumularem capital independentemente da gestão socialista.
Embora a China moderna tenha um sistema de mercado expansivo, o PCCh usa o mercado tanto para assegurar quanto para avançar o socialismo. Melhor que privatizar indústrias maiores, como frequentemente alegam os detratores, o estado mantém um sistema vibrante de propriedade pública socialista que impede a ascensão de uma burguesia independente. Deng falou especificamente sobre esse sistema muito deliberado na mesma entrevista com Fallaci:
Não importa em que grau abramos para o mundo externo e admitamos o capital estrangeiro, sua magnitude relativa será pequena e não pode afetar nosso sistema de propriedade pública dos meios de produção. Absorver capital e tecnologia estrangeiros e até permitir estrangeiros a construir plantas na China só pode desempenhar um papel complementar no nosso esforço para desenvolver as forças produtivas numa sociedade socialista. [6]
Analistas ocidentais parecem acreditar que o PCCh cumpriu esse objetivo. O Centro de Estudos Independentes (Center for Independent Studies, CIS), capitalista e sediado na Austrália, publicou um artigo de julho de 2008 que diz que aqueles que pensam que a China está se tornando um país capitalista “não entendem a estrutura da economia chinesa, que permanece largamente um sistema dominantemente estatal em vez de um de livre mercado”. [9] O artigo elabora:
Ao controlar estrategicamente os recursos econômicos e se manter como o principal distribuidor de oportunidades e sucesso econômicos na sociedade chinesa, o Partido Comunista Chinês (PCCh) está construindo instituições e apoiadores que parecem estar consolidando o monopólio de poder do Partido. Na verdade, de muitas maneiras, as reformas e o crescimento econômico do país realmente elevaram a habilidade do PCCh de se manter no poder. Em vez de ser varrido pela mudança, o PCCh é de muitas maneiras seu agente e beneficiário. [9]
Enquanto o CIS chora lágrimas de crocodilo sobre a falta de liberdade econômica e política na China, os marxistas-leninistas lêem as entrelinhas e sabem a verdade: a China não é capitalista, o PCCh não busca o desenvolvimento capitalista e o socialismo de mercado foi bem sucedido em estabelecer as bases materiais para o “socialismo superior”.
O socialismo chinês catapultou um estado operário a um apogeu econômico antes desconhecido
Embora o Grande Salto Adiante (GSA) tenha sido uma tentativa ambiciosa de estabelecer a base industrial necessária para construir o socialismo, os fatos são o seguinte: o Produto Interno Bruto (PIB) da China em 1960, depois do GSA, era de US$68,371. [10] Em 2009, o PIB da China era pouco menos de US$ 5 trilhões, fazendo dela a segunda maior economia do mundo. [11] Em outras palavras, a economia chinesa moderna é aproximadamente 73 vezes o tamanho da sua economia depois do Grande Salto Adiante, que tinha sido então o maior salto econômico socialista na história chinesa.
A cruel ironia do socialismo chinês é que o grosso de seus admiradores internacionais não são “esquerdistas”, mas capitalistas. Longe de aprovarem o socialismo, esses capitalistas estão apavorados com a manipulação dos mercados da China na construção de uma próspera sociedade moderna sem recorrer ao livre mercado. Eles odeiam as conquistas da China e o seu caminho socialista, mas não podem negar seu sucesso vicejante. Mesmo Scissors reconhece no mesmo artigo na Heritage Foundation que, “entre junho de 2002 e junho de 2008, o PIB da China mais que triplicou e suas exportações mais que quadruplicaram”. [8]
O crescimento impressionante da China é de vital importância para o socialismo. Scissors continua:
Esse rápido crescimento do PIB criou empregos: ao final de junho de 2008, a taxa de desemprego entre eleitores urbanos registrados foi de meros quatro por cento – ainda menor que a ambiciosa meta do governo de 4,5%. Esse número pode subestimar o desemprego real por ignorar o emprego rural e urbano não registrado, mas reflete com exatidão as tendências na situação mais ampla dos emprego. Foram absorvidos tantos trabalhadores migrantes das áreas rurais para a força de trabalho urbana que, mesmo 20 milhões desses trabalhadores tendo perdido seus empregos no final de 2008, mais de 100 milhões de migrantes rurais ainda tinham empregos nas cidades. [8]
O fato da China poder essencialmente garantir pleno emprego para os trabalhadores deixa nítida outra forma na qual o PCCh usa o mercado para avançar o socialismo. Além de atingir o pleno emprego de facto, “os salários urbanos subiram significativamente, a 18% entre 2007 e 2008”, representando ganhos materiais importantes para a classe trabalhadora chinesa. [8]
Diferente das massas despossuídas dos países capitalistas, as massas chinesas estão consistentemente mais satisfeitas e mais favoráveis à economia da sua própria nação. Um estudo de julho de 2008 conduzido pelo Pew Global Attitudes Project pesquisou uma seção de dados de corte transversal [“diverse cross section”] de pessoas em 24 países desenvolvidos, incluindo a China antes das Olimpíadas de Pequim. As descobertas do Pew confirmam a popularidade do socialismo de mercado dentre as massas chinesas:
Enquanto aguardam ansiosamente pelas Olimpíadas de Pequim, o povo chinês expressou níveis extraordinários de satisfação com a forma com que as coisas estão indo no seu país e com a economia de sua nação. Com mais de 80% tendo uma visão positiva de ambos, a China fica em primeiro lugar nos dois indicadores na pesquisa de 2008 do Projeto Pew Global Attitudes da Pew Research Center. [12]
A propósito, o Pew descobre que “a satisfação dos chineses com esses aspectos da vida aumentou apenas modestamente durante os últimos seis anos, apesar do aumento dramático nas avaliações positivas das condições nacionais e na economia”. [12] Embora as massas chinesas celebrem o recente aumento dramático nos padrões de vida da nação, a longa duração de sua satisfação reflete uma relação mais profunda com o estado.
Entre os achados mais interessantes do Pew foi o nível de pessoas na China preocupadas com a crescente desigualdade de renda. Enquanto a desigualdade é uma preocupação central para as massas despossuídas nos países capitalistas, os ricos não estão nem um pouco preocupados com a desigualdade de renda, já que constitui a pedra fundamental da sua classe. As massas chinesas, todavia, respondem a essa preocupação crítica de forma muito diferente. Pew descobre que:
Por volta de nove em cada dez (89%) identificam a diferença entre ricos e pobres como um problema central e 41% citam como um grande problema. Preocupações sobre a desigualdade são comuns entre ricos e pobres, velhos e jovens, e homens e mulheres, assim como os com ensino superior e os com menor formação. Sobre isso, apesar do crescimento econômico, preocupações sobre o desemprego e as condições dos trabalhadores são extensivas, com 68% e 56% registrando esses problemas como grandes problemas, respectivamente. [12]
A universalidade das preocupações sobre a desigualdade de renda, que preocupa até os cidadãos ricos, demonstra a permanente supremacia de valores socialistas na China. Normas e valores culturais emergem das condições materiais e das relações de produção. Se a China fosse um país capitalista, a prevalência generalizada de valores socialistas – transversais aos níveis de renda – não existiriam. Afirmar o contrário é abandonar uma análise materialista da cultura.
A elevação bem sucedida da China a uma economia industrial moderna assentou as bases para formas “superiores” de organização econômica socialista.

O mercado não é um modo de produção; ao invés disso, o mercado é uma forma de organização econômica. Deng explica bem essa distinção numa série de aulas que ele deu em 1992. Ele afirma:
A proporção entre planejamento e as forças de mercado não são a diferença essencial entre socialismo e capitalismo. Uma economia planejada não é equivalente a socialismo, porque também há planejamento sob o capitalismo; uma economia de mercado não é capitalismo, pois há mercado no socialismo também. Planejamento e forças de mercado são ambos meios de controlar a atividade econômica. [13]
O mercado não é capitalista nem socialista, assim como o planejamento econômico não é capitalista nem socialista. Ambas essas formas de organização econômica são apenas ferramentas na caixa de ferramentas, e em algumas situações, o mercado é uma ferramenta útil para a construção socialista.
Por 30 anos, o PCCh usou com sucesso o mercado como uma ferramenta para revolucionar as forças produtivas do campo. Precisamente por causa desse sucesso, o estado está se movendo rapidamente para formas mais avançadas de organização industrial socialista para substituir o mecanismo de mercado.
O socialismo de mercado foi implementado primeiramente na indústria agrícola com o mesmo objetivo da NEP de Lenin: para expandir e modernizar agressivamente a produção de alimentos. Todavia, o PCCh introduziu o mercado como uma ferramenta para construir o socialismo, e não como um modo de organização econômica de funcionamento permanente. Essa é uma distinção importante pois significa que Deng e o PCCh viram as reformas de mercado como uma forma “primária” transitória de socialismo, para pegar emprestado um termo de Marx, que eles substituiriam pela agricultura coletivizada depois das condições materiais terem mudado. Deng explica isso numa fala endereçada ao Comitê Central em maio de 1980. Intitulada “Sobre as questões da política rural”, Deng demonstra preocupações sobre as reformas de mercado contemporâneas no setor agrícola:
É certo que à medida que a produção se expande, a divisão do trabalho aumenta e a economia de mercado se desenvolve, formas primárias de coletivização no campo irão se desenvolver em formas superiores e a economia coletiva irá estabelecer bases mais firmes. A tarefa central é expandir as forças produtivas e, dessa forma, criar condições para um maior desenvolvimento da coletivização. [14]
Deng entendeu que construir uma economia agrícola socialista capaz de atender às necessidades da enorme população da China exigia o desenvolvimento das forças produtivas no campo, o que poderia ser atingido pelo mercado. Apenas depois de revolucionar as forças produtivas do país inteiro poderiam existir as bases materiais para uma economia totalmente coletivizada – o “socialismo superior.
Mao disse que “A prática é o critério da verdade”, e depois de 30 anos de prática, as afirmações de Deng viraram verdadeiras. Em 2006, o PCCh anunciou uma reforma revolucionária do campo chinês e prometeu usar a recém-adquirida riqueza da China para transformar as áreas rurais naquilo que o Presidente Hu Jintao chama de “novo campo socialista” [“new socialist countryside”]. [15] Mesmo hoje, a maior parte da população da China permanece nas seções rurais do país, mas a aplicação de técnicas da agricultura moderna e práticas agrícolas mecanizadas geraram um excedente líquido da produção de grãos na China. Entre as muitas diretivas dessa nova política, a nova política rural da China promete “aumentos sustentáveis na renda dos agricultores, mais suporte da indústria para a agricultura e um desenvolvimento mais rápido dos serviços públicos”. [15] Outras diretivas permitem que estudantes camponeses “recebam livros didáticos gratuitamente e bolsas”, e o estado irá “aumentar subsídios para cooperativas rurais de saúde”. [15]
Investimentos estatais massivos em infraestrutura agrícola são “uma mudança significativa no foco anterior no desenvolvimento econômico”. [15] Por causa do sucesso da modernização, “será dado um maior peso à redistribuição de recursos e um reequilíbrio da renda”. [15] Ao invés de ver o socialismo de mercado como um fim em si mesmo, o PCCh subordinou o mercado como um meio para gerar uma base industrial suficiente para construir o “socialismo superior”. O extraordinário crescimento do PIB e desenvolvimento tecnológico da China via socialismo de mercado torna possível implementar essas grandes mudanças revolucionárias.
Sobre o sistema de saúde, Austin Ramzy da TIME Magazine informou em abril de 2009 que “a China está traçando planos para reformar drasticamente seu sistema de saúde expandindo a cobertura a centenas de milhões de agricultores, trabalhadores migrantes e residentes das cidades”. [16] Esses planos consistem em gastar “US$ 125 bilhões pelos próximos três anos na construção de milhares de clínicas e hospitais e expandindo a cobertura do sistema básico de saúde para 90% da população”. [16] Em vez de uma reversão das reformas da era Deng, o movimento da China em direção à saúde pública é a progressão lógica do sistema de saúde mais modernizado e expansivo alcançado ao longo de 30 anos de socialismo de mercado.
À medida que o capital estrangeiro entrava na China, as corporações dos países capitalistas – atraídas pela vasta mão de obra chinesa – explorou alguns trabalhadores chineses através de relações capitalistas de produção. O comportamento explorador das corporações estrangeiras constitui uma contradição importante na economia chinesa que o PCCh deu passos coordenados para resolver. Enquanto todo o povo na China tem acesso a bens e serviços essenciais como alimentação e saúde, o PCCh impõe restrições à capacidade das empresas estrangeiras de operar na China que limitam severamente seu poder político-econômico na China.
Longe de abandonar os trabalhadores chineses na busca pela modernização, o PCCh anunciou o Projeto de Lei do Contrato de Trabalho em 2006 para proteger os direitos dos trabalhadores empregados em empresas estrangeiras assegurando pagamento de indenizações e proibindo o trabalho não registrado que torna possível a superexploração. Com uma oposição viciada do Walmart e de outras companhias ocidentais, “corporações estrangeiras estão atacando a legislação não porque ela oferece muito pouca proteção aos trabalhadores, mas porque oferece muita proteção”. [17] Entretanto, o Projeto de Lei do Contrato de Trabalho, que “exigia dos empregadores que contribuíssem com as contas de seguridade social de seus empregados e estabelecia padrões de salários para trabalhadores em período de experiência e horas extras”, foi promulgado em janeiro de 2008. [18]
A série recente de disputas trabalhistas entre os trabalhadores chineses e corporações estrangeiras atestam a orientação proletária do estado chinês. Em resposta às greves generalizadas em fábricas e plantas de manufatura ocidentais, o PCCh aplicou uma política agressiva de empoderamento dos trabalhadores chineses e de apoio às suas demandas por aumento de salários. O governo regional de Pequim aumentou o salário mínimo duas vezes em seis meses, incluindo um aumento de 21% no final de 2010. [19] Em abril deste ano [2011], o PCCh anunciou um aumento anual de 15% no salário com “promessas de dobrar os salários dos trabalhadores durante o 12º Plano Quinquenal que dura de 2011 a 2015”. [20]
Aumentos drásticos nos salários e benefícios para trabalhadores chineses, particularmente trabalhadores migrantes, são sérios golpes nas corporações estrangeiras e fazem da China um centro decisivamente menos atraente de mão de obra barata para investidores estrangeiros. [21] Ao contrário das ações de um estado capitalista face a um levante trabalhista, que geralmente consiste em reformas triviais ou numa brutal repressão, a resposta da China é lançar uma ofensiva contra a acumulação de riqueza por empresas estrangeiras forçando-as a pagar salários substancialmente mais elevados.
O estado é um instrumento de opressão de classe. Estados burgueses cede relutante algumas reformas às classes trabalhadoras, como salário mínimo, quando nenhuma outra alternativa de ação é possível. Sua orientação é na direção de melhorar as condições para a burguesia e subordinar o trabalho ao capital. Os estados proletários ousa apoiar e responder imediatamente às demandas coletivas dos trabalhadores porque eles constituem a classe dominante na sociedade. Uma maior boa vontade do PCCh de confrontar e atacar o capital estrangeiro no interesse da classe trabalhadora é o produto deliberado do sucesso do socialismo de mercado em desenvolver as forças produtivas da China. Tendo resolvido a contradição primária – forças produtivas atrasadas – o PCCh está desbravando a contradição entre capital estrangeiro e trabalho.
Voltando à situação macroeconômica, a aplicação do socialismo de mercado pela China levou a sérias disparidades de renda. Embora seja sem dúvidas um defeito do “socialismo primário”, o estado chinês leva muito a sério essa contradição e anunciou uma campanha de gastos governamentais sem precedentes em março de 2011 destinada a diminuir as disparidades de renda. [22] Ao aumentar o gasto público em 12,5% no próximo ano [2012], o PCCh :alocará enormes recursos do governo “para educação, criação de emprego, moradia de baixa renda, sistema de saúde e pensões e outras seguridades sociais”. [22] Longe de um movimento planejado apenas para acalmar um levante social, esse impulso monumental em gastos sociais demonstra a contínua orientação de classe proletária e camponesa do estado chinês.
Uma posição correta sobre a China requer sobretudo um exame holístico da economia do país colocada dentro do contexto do caminho do PCCh rumo à modernização. Focar estritamente na economia de mercado chinesa e nos seus defeitos encobre os fatos mais importantes, que é que a classe trabalhadora e o campesinato ainda governam a China através do PCCh e o sucesso da modernização via economia de mercado pavimentou o caminho a um “socialismo superior”.
A China aplica o socialismo de mercado às suas relações com o Terceiro Mundo e exerce um papel central na luta contra o imperialismo

Entender que os mercados são uma ferramenta não intrínseca neutra para o capitalismo e útil tanto para o estado capitalista quanto socialista é fundamental para analisar corretamente a posição internacional da China. Diferente das características do imperialismo-colonialismo, neocolonialismo, superexploração, dependência fabricada, o socialismo de mercado da China promove a cooperação, o avanço coletivo, a independência e o desenvolvimento social. [23]
Embora as fontes de notícias burguesas acusem a relação econômica da China com a África como “imperialista”, isso é um reflexo da mentalidade comercial do ocidente que não consegue entender nenhuma relação econômica em outros termos senão a exploração impiedosa. O Primeiro Ministro Wen Jiabao disse numa cúpula de 2006 no Cairo que as relações comerciais China-África são planejadas para “ajudar países africanos a se desenvolverem por conta própria e oferecer treinamento para profissionais africanos”. [24] O foco da cúpula, de acordo com Wen, é “reduzir e remeter débitos, assistência econômica, investimento e treinamento de pessoal pelas empresas”. [24] Wen continua:
No âmbito político, a China não interferirá em questões internas dos países africanos. Nós acreditamos que os países africanos têm seu direito e capacidade de resolver seus próprios problemas. [24]
Essa não é a atitude do imperialismo. A declaração de Wen aqui não reflete nem mesmo a retórica do imperialismo. Os EUA e seus aliados na Europa constantemente garentem seu direito de perseguir seus próprios interesses em outras nações, sobretudo naquelas nações que têm recebido volumosos capitais ocidentais. A abordagem da China é marcadamente diferente, já que usa o comércio como meio de desenvolver a infraestrutura social africana – subdesenvolvida por causa de séculos de opressão colonial ocidental – e funciona principalmente sobre uma política de não intervenção. Isso reflete o comprometimento do PCCh com o entendimento marxista-leninista de autodeterminação nacional.
A relação da China com a África reflete esses princípios na prática. Em novembro de 2009, a China empenhou R$10 bilhões em “empréstimos preferenciais direcionados à infraestrutura e programas sociais” a todo o continente africano. [25] Além de fornecer os recursos para o desenvolvimento infraestrutural, “o financiamento iria para o cancelamento de dívidas” e “ajudar os estados a enfrentar as mudanças climáticas”. [25] Esses novos empréstimos representam um aumento de 79% no investimento direto chinês, cuja maioria se dão na forma de “companhias chinesas construindo estradas, portos, ferrovias, moradia e gasodutos”. [25]
Geopoliticamente, a China oferece um campo internacional inteiramente separado para nações em querelas com o imperialismo dos EUA. Enquanto os EUA escalam as tensões com o Paquistão e continua a violar sua soberania nacional depois da morte de Osama Bin Laden, a China anunciou, em 19 de maio de 2011, que continuaria sendo um “parceiro para todas as intempéries” para o Paquistão. [26] O Primeiro Ministro Wen acrescentou: “a independência, a soberania e a integridade territorial do Paquistão devem ser respeitadas”. [26] Junto com um editorial publicado no mesmo dia no China Daily, o jornal oficial do estado da China, chamado “Ações dos EUA violam leis internacionais”, pode-se ver facilmente a enorme discrepância entre o campo imperialista e a China. [27] Essas posições são praticamente idênticas à minoria de acadêmicos de esquerda nos EUA, como Noam Chomsky, e contrastam nitidamente com qualquer narrativa convencional do envolvimento militar dos EUA no Paquistão.
A China atuou continuamente como uma armadura contra agressões dos EUA contra outros países socialistas, como a RPDC e Cuba. [28] [29] Nos vizinhos Nepal e Índia, a China forneceu apoio geopolítico para as duas insurgências comunistas durante seus respectivos períodos de guerra popular. [30] [31] Depois da vitória esmagadora dos maoistas nepaleses nas eleições parlamentares do país, o Presidente Prachanda visitou a China imediatamente depois de ter sido nomeado como Primeiro Ministro. Mesmo na América Latina, a China forjou profundos laços econômicos e militares com o Presidente venezuelano Hugo Chávez, enquanto o país segue resistindo ao imperialismo dos EUA e avançando ao socialismo. [33]
Embora a China tenha falhas em termos de relações exteriores, especialmente a sua recusa de vetar a resolução do Conselho de Segurança da ONU contra a Líbia, ela busca uma política externa qualitativamente diferente de qualquer país capitalista. Em termos de comércio, a China promove independência e autodeterminação, onde o ocidente promove dependência, exploração e subjugação. Geopoliticamente, ela suporta movimentos genuinamente populares contra o imperialismo e fornece apoio aos outros países socialistas existentes. Essa é uma política externa de cooperação profundamente influenciada no marxismo-leninismo.
Os marxistas-leninistas no século XXI deveriam estudar rigorosamente o sucesso do socialismo chinês.

Aqueles países que resistiram ao ataque contrarrevolucionário depois da queda da União Soviética demandam um estudo rigoroso dos marxistas-leninistas no século XXI. Cada um dos cinco países socialistas buscaram diferentes caminhos para sobreviver que fornecem lições, mas a China é sem dúvidas o caso mais bem sucedido.
Em vez de ecoarem as mentiras contrarrevolucionárias de grupos trotskistas e esquerdistas sobre a falta de comprometimento da China com suas definições abstratas e utópicas de “socialismo”, os marxistas-leninistas deveriam abraçar a China como um modelo vitorioso de socialismo cujo poder econômico ultrapassa os dos maiores países imperialistas. No centro dessas falsificações trotskistas/esquerdistas está um pessimismo crônico sobre o socialismo que reflete o cinismo capitalista sobre a revolução proletária. A economia socialista da China está florescendo e mais de 1/5 da população mundial foi tirada da pobreza, e a facção tola e irrelevante deles sequer chegou ao poder! Segundo eles, a China deve estar fazendo algo errado!
Evidentemente, marxistas-leninistas sabem do contrário. A China é um país socialista e há argumentos para dizer que economicamente é o mais bem sucedido da história. Essa realização carrega uma magnitude tremenda e deveria levar os marxistas-leninistas a estudar seriamente o modelo e os trabalhos de Deng Xiaoping. Mesmo hoje, outros países socialistas estão experimentando com variações do modelo da China e observam um sucesso similar. Se o conceito de Deng de socialismo de mercado é uma política correta para os estados proletários que se defrontam com forças produtivas profundamente subdesenvolvidas, então os revolucionários devem reconhecê-lo como alguém que contribuiu significativamente para o marxismo-leninismo.
Enquanto a China ascende na construção do “socialismo superior”, revolucionários mundo afora deveriam olhar a leste para uma inspiração enquanto lutam para arrebentar as correntes do imperialismo e realizar a democracia popular.
Vida longa à contribuição universal de Deng Xiaoping ao marxismo-leninismo!
Apoie as massas chinesas e seu partido, no empolgante processo de construção socialista!
Pela rápida vitória da revolução proletária internacional!
Traduzido de https://return2source.wordpress.com/2011/05/20/china-market-socialism-a-question-of-state-revolution/
Tradução: Leonardo Griz


Notas
[1] Mobo Gao, The Battle for China’s Past: Mao & The Cultural Revolution, Pluto Press, 2008, pg. 10
[2] Deng Xiaoping, “Uphold the Four Cardinal Principles”, 30 de março de 1979, https://bit.ly/3amf1VG (em inglês)
[3] Deng Xiaoping, “The Working Class Should Make Outstanding Contributions to the Four Modernizations,” 11 de outubro de 1978, http://bit.ly/ijepY4 (em inglês)
[4] V.I. Lenin, “Sobre o Papel e as Tarefas dos Sindicatos nas Condições da Nova Política Econômica”, 30 de dezembro de 1921 – 4 janeiro de 1922, https://bit.ly/2J5xM7b
[5] V.I. Lenin, “Sobre o Imposto em Espécie (O Significado da Nova Política e as Suas Condições” 21 de abril de 1921, https://bit.ly/3dYuUV6
[6] Deng Xiaoping, “Answers to the Italian Journalist Orianna Fallaci”, 21 e 23 de agosto de 1980, https://bit.ly/3owrPk7 (em inglês)
[7] Karl Marx, “Crítica do Programa de Gotha”, Parte I, maio de 1875, https://bit.ly/3ox0rlI
[8] Derek Scissors, Ph.D, “Liberalization in Reverse”, 4 de maio de 2009, publicado pelo The Heritage Foundation, http://bit.ly/jkSBcR (em inglês)
[9] John Lee, “Putting Democracy in China on Hold”, 28 de maio de 2008, publicado pelo The Center for Independent Studies, https://bit.ly/2TsPymU (em inglês)
[10] Banco Mundial, World Development Indicators, Gross Domestic Product, acessado pelo Google, http://bit.ly/g6QkN0
[11] Justin McCurry, Julia Kollewe, “China overtakes Japan as world’s second largest economy,” 14 de fevereiro de 2011, publicado no The Guardian, http://bit.ly/eySIQ4 (em inglês)
[12] Pew Global Attitudes Project, “The Chinese Celebrate Their Roaring Economy as They Struggle with its Costs,” 22 de julho de 2008, publicado pelo The Pew Research Center, http://bit.ly/9nNJC9 (em inglês)
[13] Deng Xiaoping, “Excerpts from Talks Given in Wuchang, Shenzhen, Zhuhai and Shanghai” 18 de janeiro a 21 de fevereiro de 1992, https://on.china.cn/2HFkBch (em inglês)
[14] Deng Xiaoping, “On Questions of Rural Policy”, 31 de maio de 1980, https://bit.ly/3kvkn6c (em inglês)
[15] Jonathan Watts, “China vows to create a ‘new socialist countryside’ for millions of farmers”, 22 de fevereiro de 2006, publicado no The Guardian, http://bit.ly/mjO6Ki (em inglês)
[16] Austin Ramzy, “China’s New Healthcare Could Cover Millions More”, 9 de abril de 2009, publicado na TIME Magazine, https://bit.ly/3mtkhgb (em inglês)
[17] Jeremy Brecher, Tim Costello, Brendan Smith, “Labor Rights in China” 19 de dezembro de 2006, publicado pela Foreign Policy in Focus, http://bit.ly/ck9lVy (em inglês)
[18] Xinhua, “New labor contract law changes employment landscape” 2 de janeiro de 2008, publicado no People’s Daily Online, http://bit.ly/mA7wJm (em inglês)
[19] Jamil Anderlini, Rahul Jacob, “Beijing city to raise minimum wage 21%” 28 de dezembro de 2010, publicado pelo Financial Times, http://on.ft.com/l0uPu3 (em inglês)
[20] Caijing, “China Targets at Annualized Wage Rise of 15Pct”, 19 de abril de 2011, http://bit.ly/ery12l (em mandarim)
[21] Zheng Caixiong, “Wage hike to benefit migrant laborers” 3 de março de 2011, publicado no China Daily Europe, https://bit.ly/37Hzsho (em inglês)
[22] Charles Hutzler, “China will boost spending, try to close income gap” 6 de março de 2011, Associated Press, publicado em boston.com, https://bit.ly/37JWa8A (em inglês)
[23] Dr. Armen Baghdoyan, “Part 1: The Relevance of Marx’s Das Kapital To the Contemporary Chinese Market Economy”, 26 de abril de 2011, publicado no Nor Khosq
[24] Xinhua, “Chinese premier hails Sino-African ties of cooperation”, 18 de junho de 2006, publicado no China View, https://bit.ly/3mkPp12 (em inglês)
[25] Mike Pflanz, “China’s $10 billion loan for African development ‘motivated by business not aid’” 8 de novembro de 2009, publicado pelo The Telegraph, http://bit.ly/3KjLPr (em inglês)
(26) Li Xiaokun, Li Lianxiag, “Pakistan assured of firm support”, 19 de maio de 2011, publicado pelo China Daily, http://bit.ly/izgWyQ (em inglês)
[27] Pan Guoping, “US action violates international law” 19 de maio de 2011, publicado pelo China Daily, http://bit.ly/m68qwV (em inglês)
[28] Andrew Salmon, “China’s support for North Korea grounded in centuries of conflict”, 26 de novembro de 2010, publicado pela CNN (em inglês)
[29] Reuters, “China restructures Cuban debt, backs reform”, 23 de dezembro de 2010, https://reut.rs/35AAeua (em inglês)
[30] M.D. Nalapat, “China support spurs power grab by Maoists”, 4 de maio de 2009, publicado na United Press International, https://bit.ly/34tjANI (em inglês)
[31] RSN Singh, “Maoists: China’s Proxy Soldiers”, julho a setembro de 2010, publicado no Indian Defence Review, Vol. 25, Issue 3, https://bit.ly/3jxv1ba
[32] The Times of India, “After Maoists, China woos Nepal’s communists”, 16 de abril de 2009, https://bit.ly/34AIHhL
[33] Simon Romero, “Chávez Says China to Lend Venezuela $20 Billion,” April 18, 2010, Published in The New York Times, http://nyti.ms/bfg1gg
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